ASA-BRANCA


Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu preguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação?

Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de prantação
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

Inté mesmo a asa-branca
Bateu asas do sertão
Entonce eu disse "adeus, Rosinha"
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão

Quando o verde dos teus zóio
Se espaiá na prantação
Eu te asseguro, não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração. 



O pernambucano Luiz Gonzaga do Nascimento, natural da cidade de Exu, um sertanejo negro e semianalfabeto, subverteu a moda musical da sua época, dividida entre sambas, marchinhas e valsas, quando o seu baião estourou nas paradas de sucessos, em meados do século passado.
Ao lado de seus parceiros letrados (Humberto Teixeira, advogado e Zé Dantas, médico), Luiz Gonzaga abriu as comportas da música popular brasileira para uma profusão de ritmos e gêneros regionais diversificados, como o xaxado, o xote, maracatu, côco etc.
A batida alegre e a constante alusão às grandes festas nordestinas do mês de junho não escondem, contudo, a imensa dor de um povo muito sofrido. A letra de “Asa-Branca”, por exemplo, caracterizada pela linguagem típica do nordestino, questiona, lamentando: “por que tamanha judiação?”.
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte!”, disse Euclides da Cunha. Mas o poeta reclama do Sol ardendo no céu; a terra seca é uma fornalha e o gado está morto. “Inté mesmo a Asa-Branca bateu asas do sertão”.
Asa-Branca é um pássaro típico do Nordeste, que migra do sertão durante a longa estiagem, assim como o poeta, que parte dizendo adeus a Rosinha. “Hoje, longe muitas légua, numa triste solidão, espero a chuva cair de novo pra mim vortar pro meu sertão”.
Quando o verde dos olhos de Rosinha se espalhar pela plantação, o poeta lhe assegura: “não chore não, viu, que eu vortarei, viu, meu coração”.
No final do lamento, o poeta tem esperança de retornar à sua terra. Tal como a Asa-Branca, que vai... e volta!